Há poucas
advertências na Escritura mais solenes que esta. O Senhor Jesus Cristo nos diz,
"Lembrai-vos da mulher de Ló."
A esposa de
Ló professava a verdadeira religião: seu marido era um "homem
íntegro" (2 Pedro 2:8). Ela deixou Sodoma com ele no dia da sua
destruição; ela olhou para trás, em direção a cidade, em desobediência a ordem
expressa de Deus; ela morreu imediatamente, transformando-se em uma estátua de
sal. E o Senhor Jesus Cristo a utiliza como exemplo para Sua igreja; Ele diz:
"Lembrai-vos da mulher de Ló".
É uma
advertência solene, quando consideramos a pessoa que Jesus menciona. Ele não
nos convida a lembrar de Abraão, ou Isaque, ou Jacó, ou Sara, ou Ana, ou Rute.
Não! Ele escolhe alguém cuja alma estava perdida para sempre. Ele clama a nós:
"Lembrai-vos da mulher de Ló".
É uma
advertência solene, quando nós consideramos sobre o tema de Jesus. Ele está
falando da Sua segunda vinda, quando virá julgar o mundo; Ele está descrevendo
o estado terrível de despreparo no qual muitos serão achados. Os últimos dias
estão na Sua mente, quando Ele nos diz: "Lembrai-vos da mulher de
Ló".
É uma
advertência solene, quando nós pensamos na Pessoa que a faz. O Senhor Jesus é
amoroso, misericordioso e compassivo; Ele é Aquele que "não esmagará a
cana quebrada nem apagará a torcida que fumega"(Is.42:3). Ele lamentou a
incredulidade de Jerusalém e orou pelos homens que O crucificaram; contudo, Ele
julga proveitoso nos dar esta advertência solene e nos fazer lembrar das almas
perdidas. Ele nos diz: "Lembrai-vos da mulher de Ló".
É uma
advertência solene, quando nós pensamos nas pessoas para as quais Ele,
primeiramente, dirigiu estas palavras. O Senhor Jesus estava falando aos Seus
discípulos; Ele não estava falando para os escribas e fariseus que o odiaram,
mas a Pedro, Tiago e João, e muitos outros que O amaram; mesmo para esses, Ele
julga proveitoso uma palavra de precaução. Ele os diz: "Lembrai-vos da
mulher de Ló".
É uma
advertência solene, quando nós consideramos a maneira que Ele falou. Ele não
diz somente: "Cuidado! Não sejam como a mulher de Ló". Ele usa uma
palavra diferente; Ele diz: "Lembrai-vos". Ele fala como se nós
corrêssemos o perigo de esquecer o assunto; Ele incita nossas memórias
preguiçosas; Ele nos ordena a manter o caso em nossas mentes. Ele clama:
"Lembrai-vos da mulher de Ló".
Agora,
consideremos os privilégios religiosos que a esposa de Ló desfrutou.
Nos dias de
Abraão e Ló, a verdadeira religião salvadora era escassa na terra; não havia
ainda a Bíblia, pastores, igrejas, credos ou mesmo missionários. O conhecimento
de Deus estava limitado a algumas famílias agraciadas; a maior parte dos
habitantes do mundo estava vivendo em escuridão, ignorância, superstição e
pecado. Talvez não houvesse um em cem, que contasse com tal bom exemplo, ou com
tal convivência espiritual, tal clareza de conhecimento e advertências tão
claras como a esposa de Ló. Comparada com os milhões de criaturas do seu tempo,
a esposa de Ló era uma mulher agraciada.
Ela teve um
homem religioso como marido; ela teve Abraão, o pai da fé, como tio através do
matrimônio. A fé, o conhecimento e as orações destes dois homens íntegros não
poderiam ter sido desconhecidos dela. É impossível que ela pudesse ter morado
em tendas com eles durante tanto tempo, sem saber de Quem eles eram e a Quem
eles serviam. Religião para eles não era nenhum negócio formal; era o princípio
governante das suas vidas e a razão de suas ações. Tudo isso a esposa de Ló
deve ter visto e conhecido. Este não era um pequeno privilégio.
Quando
Abraão recebeu as promessas, a esposa de Ló provavelmente estava lá. Quando ele
construiu sua tenda entre Ai e Betel, é provável que ela estivesse presente...;
quando os anjos vieram a Sodoma e advertiram seu marido para fugir, ela os viu;
quando eles os levaram pela mão e os conduziram para fora da cidade, ela era um
daqueles que eles ajudaram a escapar. Mais uma vez, eu digo, estes não foram
privilégios pequenos.
Contudo,
quais foram os resultados positivos, de todos estes privilégios, no coração da
esposa de Ló? Nenhum, nada. Apesar de todas as oportunidades e meios de graça,
todas as advertências especiais e mensagens do céu, ela viveu e morreu sem a
graça de Deus, sem Deus, impenitente e descrente. Os olhos do seu entendimento
nunca foram abertos; sua consciência nunca foi realmente despertada ou
estimulada; sua vontade nunca foi verdadeiramente trazida a um estado de
obediência a Deus; suas afeições nunca foram fixadas nas coisas lá do alto. A
forma de religião que ela teve foi mantida por conveniência e não por um
verdadeiro sentir; era uma capa usada para agradar a seu marido, e não por
qualquer senso de seu valor. Ela fez como outros ao redor dela na casa de Ló:
ela se conformou aos costumes do seu marido; ela não fez nenhuma oposição à
religião dele; ela se permitiu ser conduzida passivamente por ele; mas em todo
tempo o seu coração estava em pecado diante de Deus. O mundo estava no seu
coração, e o seu coração estava no mundo. Neste estado ela viveu, e neste
estado ela morreu.
Em tudo
isso há muito a ser aprendido. Eu vejo uma lição aqui que é da maior
importância nos nossos dias. Você vive em tempos em que há muitas pessoas vivendo
igual a esposa de Ló. Ouça pois, a lição que o caso dela nos ensina.
Aprenda que
a mera possessão de privilégios religiosos não salvarão a alma de ninguém. Você
pode ter vantagens espirituais de todo tipo; você pode viver e gozar das mais
ricas oportunidades e meios de graça; você pode desfrutar da melhor pregação e
das instruções mais verdadeiras; você pode morar no meio da luz, conhecimento,
santidade e boa companhia. Tudo isso é possível; contudo, você ainda pode
permanecer não convertido, e estar perdido para sempre.
Eu ouso
dizer que esta doutrina parece dura a alguns leitores. Eu conheço a idéia de
que eles não querem nada mais do que privilégios religiosos para decidirem ser
cristãos. Eles não são o que eles devem ser no momento, eles concordam; mas a
posição deles é tão difícil, eles argumentam, e suas dificuldades são tantas.
Dê-lhes um cônjuge crente, ou amizades cristãs, ou um patrão crente; dê a eles
a pregação do Evangelho, os privilégios, e então eles caminharão com Deus.
Tudo
engano! Uma completa ilusão! Para salvar almas, é requerido muito mais do que
privilégios. Joabe era o capitão de Davi; Geazi era o criado de Eliseu; Demas
era companheiro de Paulo; Judas Iscariotes era discípulo de Cristo; e Ló teve
uma esposa mundana e incrédula. Todos eles morreram em seus pecados. Eles
baixaram à cova apesar do conhecimento, advertências e oportunidades; e todos
eles nos ensinam que os homens necessitam não só de privilégios. Eles precisam
da graça do Espírito Santo.
Vamos
valorizar nossos privilégios religiosos, mas não vamos descansar completamente
neles. Vamos desejar ter o benefício deles em nossas atividades, mas não vamos
colocá-los no lugar de Cristo. Vamos usá-los com gratidão, se Deus no-los der,
mas nos preocupemos em que eles produzam algum fruto em nosso coração e vida.
Se eles não produzem o bem, eles seguramente causarão dano; eles cauterizarão a
consciência, eles aumentarão a responsabilidade, eles agravarão a condenação. O
mesmo fogo que derrete a cera endurece o barro; o mesmo sol que faz a árvore
vivente crescer, seca a árvore morta e a prepara para queimar. Nada endurece
mais o coração do homem, do que uma familiaridade estéril com as coisas
sagradas. Mais uma vez eu digo, não são somente os privilégios que fazem as
pessoas cristãs, mas a graça do Espírito Santo. Sem isso, nenhum homem jamais
será salvo.
Eu peço aos
que lêem esta mensagem hoje, que considerem bem o que eu estou dizendo. Você
vai para a Igreja do sr. A ou B; você o considera um pregador excelente; você
se deleita com seus sermões; você não pode ouvir nenhum outro com o mesmo
conforto; você aprendeu muitas coisas desde que você começou a participar do
seu ministério; você considera um privilégio ser um dos seus ouvintes. Tudo
isso é muito bom. É um privilégio. Eu seria grato se ministros como o seu
fossem multiplicados. Mas, afinal de contas, o que você recebeu no seu coração?
Você já recebeu o Espírito Santo? Se não, você não é melhor que a esposa de Ló.
Eu peço
para os filhos de pais crentes que gravem bem o que eu estou dizendo. Ser
filhos de pais crentes é o mais elevado dos privilégios, pois torna-se o alvo
de tantas orações. Realmente é uma bênção aprender o Evangelho na nossa
infância, e ouvir falar de pecado, de Jesus, e do Espírito Santo, e santidade,
e céu, desde o primeiro momento que podemos lembrar. Mas, cuidado para que
vocês não permaneçam estéreis e infrutíferos no meio de todos estes
privilégios; precavenham-se para que seus corações não permaneçam duros,
impenitentes e mundanos, sem se quebrantar às muitas vantagens que vocês
desfrutam. Vocês não poderão entrar no reino de Deus pelo crédito de seus pais.
Vocês próprios têm que comer o Pão da Vida e ter o testemunho do Espírito nos
seus próprios corações. Vocês têm que ter arrependimento próprio, fé própria e
sua própria santificação. Se não, vocês não serão melhor que a esposa de Ló.
Eu peço a
Deus que todos os cristãos professos destes dias possam aplicar estas coisas
aos seus corações. Que nós nunca esqueçamos que os privilégios sozinhos, não
podem nos salvar. Luz e conhecimento, pregações fiéis, meios abundantes de
graça e a companhia de pessoas santas são todos grandes bênçãos e vantagens.
Feliz aqueles que os tem! Mas no final de tudo, há uma coisa sem a qual
privilégios são inúteis: a graça do Espírito Santo. A esposa de Ló teve muitos
privilégios; mas não teve a graça de Deus em seu coração. ( J.C. Ryle)